crianças juntas de mãos dadas e a palavra futuro escrita em inglês

Expectativas e autismo: como pensar no futuro?

Por muito tempo eu acreditei que expectativas e autismo eram palavras muito opostas, pensava que elas não podiam se relacionar e que não tinham possibilidades de estarem juntas em uma mesma frase.

Lembro com detalhes do dia da confirmação do diagnóstico de autismo do Emanuel, além da dor causada e a sensação de estar perdida em um outro mundo, aquele laudo teve o poder de acabar (por um tempo) com meus sonhos em relação ao meu filho, eu não conseguia enxergar nenhum futuro, eu não via nenhuma expectativa, só um presente muito caótico e sem rumo.

Ainda bem que eu estava errada!

menino pescando

 

Já escrevi uma pouco sobre o sentimento de perda (luto) que muitas famílias passam, sobre terapias, sobre resiliência e também a sobrecarga que vêm junto com o diagnóstico do TEA.

Hoje quero trazer a reflexão sobre o futuro, sobre expectativas e autismo.

Você pode até pensar que são coisas distantes (como eu pensava), mas nossos pequenos crescem e se preparar para  isso é tão importante quanto atuar no presente!

Conversando com mães com filhos dentro do espectro e olhando as redes sociais, percebo como pensar no futuro é difícil, ter expectativas sobre independências e autonomia são itens que muitas famílias guardam a sete chaves.

Percebo que não é um tema comum em nossas conversas, pois como já aconteceu comigo, pensar num futuro pode trazer muita angústia e muitas lágrimas.

1) Expectativas e Autismo

Gosto de explorar o significado das palavras, então fiz uma breve pesquisa sobre Expectativa.

Segundo o dicionário on-line  Expectativa tem o mesmo sentido que: possibilidade, esperança, espera e probabilidade.

É a condição de quem espera para que algo aconteça. Estado de quem espera algum acontecimento, baseando-se em probabilidades ou na sua possível efetivação. Desejo intenso por algo próspero.

Olhando essas definições consigo entender aquele sentimento do começo, de 6 anos atrás.

Eu não conseguia esperar nada, não via probabilidade de aprendizado, não enxergava a possibilidade de um desenvolvimento próspero e saudável além de ter a sensação que minha vida também estava condenada a parar.

Ter qualquer expectativa para meu futuro e do meu filho parecia algo imensamente distante.

Mas aprendi com o tempo, buscando conhecimento e conhecendo outras famílias que é possível sim e necessário ter expectativas após o diagnóstico de autismo.

Minha vida não parou, mudou muito, para uma versão melhor como mãe, mulher e profissional.

Lidar com expectativas não é fácil em qualquer situação na vida, mas eu creio que enxergar as possibilidades que o caminho pode trazer nos faz agir, nos faz lutar e principalmente sonhar.

Pessoa saltando a palavra impossível que está separada, mostrando que podemos tornar em possível

2) O choque com a realidade faz as expectativas sumirem

Hoje percebo que aquela sensação tinha uma origem.

Quando recebemos o diagnóstico do Emanuel, fazia poucos meses que meu irmão havia se formado no ensino superior, no mesmo local e instituição onde alguns anos atrás eu também havia passado pela cerimônia de formatura de um curso superior.

Lembro claramente de no fim da cerimônia falar que poderíamos nos encontrar lá novamente para a formatura do Emanuel, que na época tinha pouco mais de 3 anos.

Acredito que seja uma conversa comum entre pais, talvez até indevida, essa de “meu filho pode ser isso ou aquilo quando crescer”, mas na época não resisti o comentário, pois era uma universidade publica e sim, eu queria muito que meu filho passasse um dia por ela.

Eram as primeiras expectativas que eu criava em relação a ele e ao futuro, que ele iria crescer e ter uma formação superior, cursar uma faculdade, ser “alguém na vida”.

Pois é, minha limitada percepção de futuro e sucesso pessoal e profissional estava condicionada à formação superior, hoje sei que não é bem assim que as coisas funcionam e que diploma não é garantia de nada nesse mundo.

Então, poucos meses depois desse episódio da formatura em 2015, chegou o diagnóstico e por muito tempo eu não consegui pensar e  enxergar futuro nenhum.

Tinha levado um “banho de água fria” e não queria repetir a sensação pensando em possibilidades para o Emanuel que naquele momento eu achava impossíveis de acontecerem.

Simplesmente não conseguia mais ter aqueles pensamentos sobre o futuro do Emanuel, mal conseguia entender o presente, tudo que estava acontecendo, imaginar, pensar e planejar um curso superior para ele então, simplesmente era algo improvável.

Por muito tempo não conseguia ter expectativa nenhuma, pois estava engolida pela realidade que era muito dura naquele momento.

Qualquer fala sobre o presente ou o futuro me faziam choram intensamente.

Já relatei aqui dois episódios que me impactaram muito: o dia da confirmação final do TEA e o sentimento de perca que isso me trouxe.

Era um sentimento confuso e ao mesmo tempo ambíguo, eu não queria que ninguém tivesse pena dele, mas hoje percebo que eu mesma tinha atitudes nada contraditórias:

 – eu o superprotegia não deixando correr nenhum risco, que muitas vezes só estava na minha cabeça

– eu duvidava da sua capacidade de aprender, de resolver coisas e conquistar objetivos

– eu fazia tudo por ele, dava as coisas na sua mão, queria adivinhar suas falas e agir por ele

Era algo instintivo, impedia seu aprendizado por tentativa e erro, fazia por ele muitas coisas de forma automática achando que ele não conseguiria, cheguei a pensar que ele não ia aprender a ler e muito menos fazer operações matemáticas.

Demorei a perceber que se eu, como mãe, estava colocando limites e duvidando da capacidade de superação do Emanuel, como as outras pessoas não iam ter pena dele e o ver como um coitadinho que tinha um probleminha???

3) Enxergando além do diagnóstico

Não sei ao certo quando minha chave girou, pois quanto mais eu buscava ler sobre o TEA mais eu tinha receio do futuro.

Mas sou do tipo de pessoa que acredita em sinais, em providência Divina e que nenhuma pessoa passa por nossa vida ao acaso.

Foi então que em 2019 eu conheci um rapaz e a sua mãe em meu grupo de catequese para adultos, ele não tinha nenhum diagnóstico, pelo menos eu não tive conhecimento, mas havia uma dificuldade na fala e na expressão oral que me chamavam a atenção.

A mãe dele falava que ele tinha alguns probleminhas e dificuldades, confesso que me doía escutar isso, me fazia refletir muito sobre como eu falava do Emanuel para as outras pessoas.

Até o dia em que esse rapaz leu uma passagem bíblica para nosso grupo.

Confesso que naquele dia eu não consegui prestar atenção na leitura em si, apenas no fato de ele estava leno, fiquei admirada e cheia de esperança, uma luz no meu caminho escuro da alfabetização do meu filho brilhou forte.

Na mesma hora eu pensei que meu filho também podia conseguir, naquela época a leitura com entendimento parecia algo ainda muito distante.

Mas depois daquele dia as palavras expectativas e autismo voltaram a se juntar em meus pensamentos.

Conversei com a equipe de apoio: neuropediatra, psicóloga, fonoaudióloga e psicopedagoga.

Abri meu coração sobre minhas angustias e os medos em relação ao seu desenvolvimento e a alfabetização.

Todas afirmaram a possibilidade, sempre descreveram o Emanuel como alguém capaz, foram feitos alguns ajustes em relação à terapias e materiais de apoio, controlei a ansiedade e nos meses seguintes começaram a aparecer os resultados.

O Emanuel começou a ler com quase 8 anos e hoje seu amor por livros só cresce.

Ainda temos desafios na interpretação, precisamos de recursos lúdicos, muita calma e estratégias nas lições, mas o progresso é inegável.

Voltei a sonhar com o futuro do meu menino, sem cobranças, mas com muita leveza na alma.

Claro que serão as suas escolhas a prevalecer, mas expectativas e autismo voltaram a aparecer na mesma frase, e falar dele me enche de orgulho, pois ele me ensinou a não duvidar das suas capacidades.

rapas olhando o horizonte com um binóculo

4) Não é fácil mas também não é impossível

Ainda me sentia muito utópica com esses primeiros pensamentos de que meu filho iria crescer, ter sua independência e quem sabe estudar e trabalhar fora.

Até que em outubro/2020 na consulta com a neuropediatra ela olhou para mim e meu esposo e nos esclareceu que nosso filho tem sim condições de ter essa vida futura e independente.

Foi então que eu parei e pensei diante dos meus questionamentos, se ela que diariamente estuda e acompanha sobre o TEA tinha essa expectativa, porque eu não podia ter também?

Uma nova luz brilhou, a leitura já tinha sido uma conquista incrível.

Fui para as redes sociais e encontrei muitos relatos de autistas adultos, que se dispõe a nos contar suas jornadas, para mim como mãe foi uma fonte de inspiração.

Ainda sentia a falta de ferramentas para me dar suporte para ajudar ele, além das terapias sentia que eu precisava fazer algo, ter novas expectativas, sonhos e esperanças é muito bom, mas precisava de algo concreto.

Foi então que através daqueles sinais que busco estar sempre atenta, cheguei a obra: Disciplina Positiva para Crianças com Deficiência que me trouxe o que faltava (veja no link de indicação de livros mas informações sobre essa obra incrível).

A abordagem que essa obra traz é justamente sobre enxergar além do diagnóstico, são inúmeros relatos reais que os autores usam para trazer as ferramentas da disciplina positiva, que não servem apenas para uma educação melhor para nossos filhos.

É um convite sincero para olhar o futuro porém agir no presente de forma consciente, gentil e firme ao mesmo tempo.

Não apenas gerenciando nossos filhos, mas os criando para serem pessoas com caráter e valores.

Sei que uma vida com autonomia e independência não é a realidade possível para todos, devido inúmeros fatores, mas o progresso está na mão da grande maioria.

5) Um passo além da exaustão

Compreendo que no meio do caos é difícil pensar em futuro, ao ver e escutar mães e pais exaustos com as rotinas que as terapias trazem, além do cuidado diário (confira o post sobre o impacto do TEA nas famílias) compreendo que ter expectativas é uma pagina que muitas vezes preferimos pular.

Mas nessas horas sempre lembro da frase do pediatra que nos acompanha até antes do nascimento: “é preciso ter progresso”, não aquele que a sociedade quer impor às nossas crianças, mas a capacidade de superação de si.

Precisamos acreditar neles, estar ao lado para apoiar e dar suporte e não fazer por eles o que já conquistaram capacidade para fazer.

Ver o filho crescer é difícil, mas nossos pais já nos alertavam que precisamos criar eles para o mundo e mesmo que não seja para uma independência e autonomia 100% (se é que isso realmente exista), precisamos buscar esse passo para o seu desenvolvimento.

Vejo a angustia do meu esposo ao pedir para o Emanuel ir sozinho levar o lixo, ou o deixar descer sozinho no parquinho do condomínio (mesmo conseguindo ver o trajeto da janela), parecem pequenas coisas para outras crianças, para nós um passo gigante.

Ao ver o brilho nos olhos do Emanuel ao retornar com a chave em mãos contando sua aventura sozinho pelo condomínio, mesmo com o aperto no peito,  sei que estamos no caminho certo.

Ele está crescendo assim como nossas expectativas e nosso orgulho por suas realizações.

E na sua casa? Como estão sendo abordadas essas palavras: expectativas e autismo?

Separei esse vídeo sobre a criança com deficiência, uma importante reflexão sobre nossa atuação como família!

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